História

 

Segundo os historiadores, as ostras, conhecidas como «Les Portugaises», são originárias da Índia ou do Japão, tendo viajado para Portugal nas quilhas das naus e como alimento rico em proteínas para as tripulações, nos finais do século XVI. Lançadas nos estuários do Tejo e do Sado, aí se desenvolveram extraordinariamente devido às boas condições naturais daqueles que viriam a ser considerados os maiores bancos naturais de ostras da Europa.

 

Isto de chamar a uma espécie “ostra portuguesa” (Crassostrea angulata) nem é patriotismo nosso. Foram os franceses que as batizaram assim, quando as conheceram no século XIX.

Reza a história que seguia em 1886 um navio carregado de ostras de Setúbal com destino a Inglaterra quando, obrigado por uma tempestade procurou refúgio no estuário da Gironda, próximo de Pauillac, na costa oeste francesa. O tempo de espera foi tanto que o comandante do navio, considerando que a carga já não estaria boa, decidiu atirá-la à água. Só que nem todas as ostras estavam estragadas e nas águas da Girona ricas em fitoplâncton nasceram colónias espontâneas de ostras que se estenderam à Bretanha retirando algum protagonismo à variedade local, Crassostrea edulis - a chamada ostra plana.

Passaram-se décadas e décadas com as duas espécies a serem exploradas em França sendo que a francesa era consumida pela alta sociedade e a portuguesa servida à mesa do povo. Mas em 1920 uma praga atacou a ostra francesa, salvando-se as portuguesas Angulatas, mais resistentes ao vírus.

 

A ostra portuguesa, com nome científico de Crassostrea angulata, teve grande importância comercial nas regiões de Setúbal e Lisboa, até ao início da década de 70. Os estuários dos rios Tejo e Sado eram então os maiores bancos naturais desta espécie na Europa. Ambos os estuários produziam anualmente dezenas de toneladas de ostra portuguesa, destinadas maioritariamente à exportação, sobretudo para França. Só no Sado, esta atividade chegou a envolver mais de quatro mil pessoas, sendo, como referido anteriormente, uma atividade relevante para a economia local.

O elevado valor nutritivo deste bivalve e o seu baixo custo, devido à sua abundância, tornou-o num alimento comum nestas regiões, existindo muitos relatos sobre as ostras na gastronomia local de Setúbal e Lisboa, entre as quais textos do poeta Bocage e duma “sopa à lisbonense”, feita com ostra. No mercado externo as ostras portuguesas ganharam também grande reputação, sendo ainda hoje recordadas pelos franceses como “Les portugaises”.

A partir de meados da década de 60, a ostra portuguesa começou a regredir por variadas razões. A poluição industrial bem como a exploração  massificada deste recurso, aliadas à inexistência de uma gestão racional dos recursos vivos de ambos os Estuários, estiveram na origem da disseminação de doenças que quase extinguiram esta espécie.

De acordo com os investigadores, quanto se coloca qualquer ser vivo em concentrações muito elevadas sabemos que os factores de “stress” induzido aumentam, o que facilita o desenvolvimento e propagação de doenças. A instalação da indústria pesada no seu habitat, com a consequente poluição do meio aquático, veio acentuar a fragilização das defesas imunitárias da espécie, o que desequilibrou todo o ciclo de vida da ostra e originou a sua quase extinção.

Face ao desaparecimento da ostra portuguesa nos estuários do Tejo e Sado, os produtores franceses, os maiores importadores desse molusco, para manterem a sua capacidade produtiva, passaram a importar a ostra do Japão, a espécie Crassostrea giga. A maior resistência demonstrada por esta espécie bem como o seu mais rápido crescimento fez com que os produtores se rendessem ao maior retorno financeiro. O desenvolvimento tecnológico alcançado entretanto permitiu a reprodução assistida de bivalves em cativeiro, o que teve como consequência uma produção massificada da ostra Crassostrea giga.

As maternidades de bivalves estrangeiras produzem anualmente biliões de espécimes de ostra japonesa que exportam para toda a Europa. A ostra “Giga” chega assim a Portugal e invade a costa algarvia, onde se reproduziu e já predomina nos bancos naturais, ai existentes.

Nos últimos anos, um fenómeno de mortalidade crescente atingiu a ostra japonesa em França levando a uma taxa de mortalidade próxima dos 80%, sendo nalgumas produções de 100% (perda total). Face a este fenómeno, que não está ainda devidamente explicado e compreendido, mas que se sabe ter origem na disseminação de diversos agentes patogénicos (vírus e bactérias), os produtores franceses começaram a procurar outros locais para manterem a sua produção. A produção massificada de ostras em França, estará provavelmente na origem deste fenómeno, com características semelhantes ao que ocorreu nos anos 70 em Portugal. A solução encontrada pelos produtores franceses está a ser a procura doutros locais de produção, para a produção da ostra “giga” sendo alguns desses em Portugal. A manter-se esta tendência, os estuários dos rios nacionais e a nossa costa correm sérios riscos de ter uma “invasão” de ostra “giga”.

Este problema é agravado devido às dificuldades financeiras dos produtores nacionais. Em Portugal não existem seguros nesta atividade contra as intempéries, não existem preços reduzidos para a energia (eletricidade ou gasóleo) e de uma forma geral os produtores não têm quaisquer apoios à sua atividade. Os produtores também não conseguiram até ao momento, constituir organizações associativas que lhes permitissem ganhos de escala e a criação de estruturas comerciais, não tendo qualquer hipótese de competir no mercado global contra empresas estrangeiras, muito bem organizadas, com fortíssimos apoios de toda a estrutura do estado (seguros com garantias financeiras, inovação promovida por unidades de investigação, baixos preços da energia, constituição de organizações de produtores, apoios à exportação, etc.) e com enorme dimensão.

Relativamente à ostra portuguesa, o IPIMAR reconhece ser no estuário do Sado onde os bancos naturais de “angulata” permanecem com maior integridade, isto é, sem presença significativa de outras espécies, que não a Crassostrea angulata. Se visitarmos estes bancos naturais verificamos que as ostras juvenis, são abundantes e apresentam um bom aspecto visual, com uma casca pouco deformada. Contudo nos espécimes adultos observa-se o espessamento da casca, consequência óbvia da poluição química, bem como um aumento significativo da mortalidade. Quando retirados espécimes destes bancos e colocados em locais com boa qualidade de água, o crescimento faz-se já sem o espessamento da casca e a ostra apresenta um óptimo fator de condição, existindo então condições para a sua comercialização.

Tem-se verificado uma recuperação dos bancos naturais de C. angulata associada a uma redução da poluição no estuário do Sado. A qualidade das águas representa para esta atividade uma importância fundamental tal como o papel que as entidades administrantes deverão desempenhar neste capítulo. A transposição para zonas mais “limpas” fora do estuário,  são apontadas como soluções para a melhoria da qualidade do produto final.

Um dos factores que condiciona presentemente a produção ostreícola no estuário do Sado é a reduzida quantidade de semente de C. angulata.
De modo a superar este constrangimento, os investigadores do INRB/IPIMAR apontam como solução a colocação de colectores nos bancos naturais do estuário do Sado para a captação de juvenis. Para tal, deverão ser elaborados estudos em colaboração com produtores, para caracterizar melhor o ciclo reprodutivo de C. angulata e determinar a melhor estratégia para captação de semente através da utilização de diferentes tipos de coletores. A produção de juvenis de ostra portuguesa em maternidade é igualmente apontada como uma alternativa para a obtenção de semente, estando em curso no IPIMAR/INRB um projeto de melhoramento das tecnologias de produção em maternidade de C. angulata.
 

A defesa sustentada da ostra portuguesa e neste caso concreto da biodiversidade do estuário do Sado e do Tejo passa também, sem dúvida, pela sua exploração comercial, estimulando as empresas nacionais a produzirem a ostra portuguesa, os nossos chefes de cozinha a utilizarem preferencialmente a ostra portuguesa e o consumidor final a exigir a nossa ostra. A introdução deste produto noutros mercados, como em França, está facilitada devido à boa imagem que angariou no passado, onde tem um bom valor comercial.